A cobrança mensal do INCC está correta?
- Lucas Rodrigues
- 15 de nov. de 2021
- 4 min de leitura
A cobrança mensal do INCC é uma prática comum entre as grandes incorporadoras/construtoras, mas o que muitos não sabem é que essa cobrança pode ser considerada ilegal em algumas situações. Antes de adentrarmos efetivamente ao tema, faz-se necessário entender o que é o INCC, se você ainda não sabe, clique aqui.

Agora vamos ao tema.
Momento da compra.
Na hora de comprar um imóvel, principalmente o primeiro da família, é normal que a felicidade e a ansiedade tomem conta de você, ao ponto de fazer com que você assine um financiamento de 30 anos sem ao menos ler o contrato.
Mas aquele momento que deveria ser apenas de felicidade, pode se tornar um pesadelo, caso você não se atente a alguns detalhes do contrato firmado com a incorporadora.
Ao comprar um imóvel ainda em construção, você assina um contrato de promessa de compra e venda com a incorporadora e, posteriormente o contrato de financiamento com o banco escolhido.
Neste artigo abordaremos o compromisso de compra e venda firmado com a incorporadora.
Periodicidade da correção monetária.
É normal nesse tipo de contrato ter uma cláusula prevendo a correção monetária do saldo devedor, mas o cerne da questão está na periodicidade desta correção.
A Lei 10.931 de 2004 diz que nos contratos de comercialização de imóveis com prazos inferiores a 36 meses, a correção monetária deve ser anual, e naqueles em que o prazo for superior, a correção pode ser mensal.
Veja que aqui estamos falando sobre o prazo do compromisso de compra e venda firmado entre a incorporadora e o comprador, e não sobre o contrato de financiamento com o banco. Abaixo um exemplo:

No exemplo demonstrado acima, o contrato tinha o prazo de 22 meses entre o pagamento da primeira parcela e a última, não sendo possível para a construtora aplicar o INCC mensalmente, apenas anualmente, devido a vedação legal mencionada anteriormente.
Ainda está difícil de entender, né? Veja mais um exemplo:
Se João deve R$100.000,00 para construtora X e o valor é corrigido mensalmente, o valor do INCC é calculado de acordo com o saldo devedor de João naquele momento, então a correção monetária mensal, sempre vai gerar um INCC maior.
Já na correção monetária anual, como o João já vai ter pagado 12 parcelas, no 13º mês quando a construtora for aplicar a correção, o total do saldo devedor vai ser R$100.000,00 – as 12 parcelas que João pagou, gerando um INCC muito abaixo da correção mensal.
Essa simples diferenciação da periocidade da correção monetária, gera uma grande diferença entre os valores, veja abaixo uma simulação:

Veja que aplicando a correção mensalmente, o valor do INCC ao fim do período de 12 meses, foi de R$12.743,24, já na correção anual, o valor chegou a R$5.321,08, gerando uma diferença de R$ 7.422,16.
Prática ilegal de algumas incorporadoras.
Sabendo disso, as grandes incorporadoras desenvolveram uma artimanha para burlar a regra de 36 meses criada pela lei e conseguirem aplicar a correção monetária mensalmente. Veja um exemplo:

Veja que no fluxo de pagamento criado pela construtora, todas as parcelas seguem uma ordem, sem intervalo de meses entre elas, exceto a parcela de R$200,00. Mas por que isso?
Lembra que a Lei 10.931/04 em seu artigo 46, diz que apenas nos contratos em que o prazo for superior a 36 meses, poderá incidir correção monetária mensal? Pois é, para “driblar” a vedação da lei, algumas incorporadoras plantam uma parcela com valor ínfimo para o 36º mês, apenas com o objetivo de viabilizar a aplicação mensal do INCC nas parcelas.
Olhe mais uma ilustração para facilitar ainda mais o entendimento.

O que a justiça tem decidido sobre o assunto.
Mas o lado bom da história é que a justiça já percebeu a “jogada” feita pelas grandes incorporadoras, e já decidiu que nestes casos, a cláusula que prevê reajuste mensal, é considerada nula de pleno direito. Ou seja, a aplicação da correção deve ser feita anualmente, como manda a lei, e se o comprador demonstrar que há diferença entre o valor pago e o efetivamente devido, a incorporadora deve ressarci-lo em dobro, como previsto no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
Veja essa decisão judicial a respeito do assunto:
“APELAÇÃO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. CORREÇÃO MONETÁRIA COM PERIODICIDADE MENSAL. Descabimento. É vedado o reajuste mensal das parcelas do preço do imóvel em contratos com prazo inferior a 36 meses. Ademais, são nulas de pleno direito quaisquer previsões destinadas a burlar o requisito necessário à validade da correção monetária com periodicidade mensal. Inteligência dos arts. 46 e 47 da Lei 10.931/2004. Caso concreto em que restou evidenciado o ardil na ampliação proposital do prazo contratual para permitir o reajustamento mensal das parcelas do preço ajustado. Última parcela com valor ínfimo e data de vencimento sete meses após o vencimento da penúltima parcela. Má-fé caracterizada. Restituição em dobro dos valores pagos a maior devida, considerando-se a incidência de correção monetária anual. Precedentes desta E. Corte. Sentença mantida. SUCUMBÊNCIA. Fixação de honorários recursais, segundo disposições do art. 85, § 11, CPC/2015. RECURSO NÃO PROVIDO”.
(Apelação nº 1003109-31.2019.8.26.0554, 2ª Câmara de Dir. Privado, Rel. Des.ª ROSANGELA TELLES, j. 10.3.2020).
Concluindo-se que apesar de ser uma prática ilegal, ainda é bastante comum entre as incorporadoras, e o comprador deve sempre buscar o auxílio de um advogado especialista no assunto para auxiliá-lo na solução deste tipo de situação.
Se você ainda tem dúvidas sobre o assunto ou quer conversar com o advogado que escreveu esse artigo, aponte a câmera do seu celular para o QR code abaixo ou clique aqui.

Olá Lucas muito boa sua explicação, sobre essa lei ela se aplicaria em caso de cobrança do INCC sobre o valor do saldo devedor que a Caixa Econômica ainda não repassou para a construtora, poderia fazer um artigo falando mais a respeito do INCC sobre o saldo devedor?
Desculpa, mas não entendi o posicionamento de vocês o prazo mínimo é de 36 meses, entendo que a cobrança mensal é correta, por exemplo minha entrada ficou em 24 meses, a construtora não pode cobrar o INCC mensal? tem que ser anual ?
Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.